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A Proteção Legal da Pessoa com TEA em Certames Públicos

A Lei Berenice Piana (Lei nº 12.764/2012) trouxe uma importante conquista para as pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) ao estabelecer expressamente em seu artigo 1º, § 2º, que “a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais”. Esta previsão clara e direta não deixa margem para interpretações restritivas e deve ser aplicada em todos os âmbitos, inclusive nos concursos públicos.

Contudo, ainda é comum que candidatos diagnosticados com TEA enfrentem obstáculos quando tentam concorrer às vagas reservadas para pessoas com deficiência em concursos públicos. Isso ocorre principalmente quando as comissões examinadoras, durante perícias biopsicossociais, deixam de reconhecer o direito líquido e certo desses candidatos, mesmo diante de diagnósticos formalmente atestados por profissionais médicos especializados.

O Respaldo da Jurisprudência

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já consolidou entendimento favorável ao reconhecimento do direito de candidatos com TEA de concorrerem como pessoas com deficiência em diversos julgados. Em caso paradigmático, a 2ª Câmara de Direito Público estabeleceu que “existe presunção legal de que a pessoa com transtorno de espectro autista é considerada deficiente para todos os efeitos legais”, sendo irrelevante o grau de comprometimento funcional.

Em outro julgado recente, a 1ª Câmara de Direito Público concedeu segurança a candidato com TEA excluído de lista especial em concurso para escrevente técnico judiciário, fundamentando que há “vinculação à lei, aos princípios constitucionais e a orientação jurisprudencial, que assegura ao candidato inserido no TEA o direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes”.

A Presunção Legal Absoluta

O reconhecimento da condição de pessoa com deficiência para indivíduos com TEA é automático e não está condicionado ao grau de comprometimento ou nível de suporte. Trata-se de presunção legal absoluta, bastando a comprovação do diagnóstico. Como bem observado em parecer da Procuradoria Geral de Justiça em um dos casos julgados: “Em que pese a conclusão das perícias realizadas, se mostra incontornável o fato de que o impetrante é portador de TEA, ainda que em grau leve, sem déficit mental, devendo ser considerado como pessoa com deficiência nos termos da supracitada lei federal.”

Compatibilidade com o Estatuto da Pessoa com Deficiência

A interpretação do direito das pessoas com TEA em concursos públicos deve ser feita em harmonia com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que estabelece em seu artigo 4º que “toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”. O não reconhecimento da condição de pessoa com deficiência de candidatos com TEA configura discriminação em razão da deficiência, pois consiste em restrição que anula o exercício de direitos fundamentais.

A Vinculação dos Editais à Legislação

Os editais de concursos públicos, como instrumentos normativos infralegais, devem ser interpretados em conformidade com a legislação hierarquicamente superior. Quando incluem expressamente a Lei nº 12.764/2012 como parâmetro para avaliação da deficiência, a própria Administração reconhece a necessidade de observância desta norma especial. Qualquer interpretação restritiva implica violação ao princípio da legalidade.

Conclusão

O reconhecimento do direito das pessoas com TEA de concorrerem em concursos públicos na condição de pessoas com deficiência não é apenas uma questão de interpretação jurídica, mas de efetivação de direitos fundamentais. A aplicação literal do § 2º do art. 1º da Lei nº 12.764/2012 é medida que se impõe, independentemente do grau de comprometimento funcional do candidato com TEA, promovendo a igualdade material e a inclusão social deste grupo tão importante de cidadãos.